terça-feira, 29 de setembro de 2015

aqui não tem certo, não tem errado


O SUOR
Um dia acordei suado. Era verão e fazia 50 graus. Sim, é isso mesmo.
Nesse verão comecei a estar o mais pelado possível.
Comecei dentro do meu quarto. Aí depois pensei: "ah, vou ao banheiro". aí ia pelado.
Aí pensei: "vou trabalhar de porta aberta, tá muito calor.” 
Morava com um cara(cis) e uma mulher (cis). Comecei a andar de cueca como meu companheiro de casa o fazia.
Pensava: estou EXATAMENTE com a mesma roupa e pago aluguel, tipo, é isso.
Comecei tomar suco na varanda que dava pra rua. Os vizinhos do lado apareciam e eu não me escondia. 
As crianças brincavam na rua, eu não me escondia. Ficava na varanda tentando trabalhar/existir com aquele calor. 
As vezes, ia em manifestações feministas ficava bêbado e sem camiseta na rua. Adoro. 
Mas voltando…teve um dia que acordei e estava 50 graus. Tinha uma workshop MANEIRÍSSIMO que misturava Contato Improvisação AND PISCINA.
Pode falar, contato improvisação no verão é uó. Você que não sabe que eu tô falando vem comigo: imagina uma sala com vários corpos necessariamente suados rolando no chão e encostando entre si, dançando junto um bagulho que chama CONTATO IMPROVISAÇÃO, 40 graus etc etc etc. Visualizou? Sentiu o cheirinho delícia?
Ou seja, quebrei o cofrinho (eu e todas, né) e fomos nesse workshop.
Agora, não tava nenhum um pouco disposto a vestir biquini. A parte de cima do biquini me é inútil, na verdade só me atrapalha. Aquele fio que fica debaixo do suvaco me machuca, além do mais esses 3 cm quadrado de pano só serve pra aumentar as chances de câncer na vida.  Pra que serve? Deixa nossos peitos brancos, sem a energia do sol, condicionado a espaços privados por essa parte do corpo ser “obscena” demais. ME POUPE! 
Aquela manhã tava quente demais pra ATURAR biquini, sério, não dava, não tava dando, ficou puxado.
Já tinha pago, pensei: vou agir naturalmente. 

O ACONTECIDO
Aula de contato improvisação na piscina, no verão.  Nada de novo debaixo de um sol de cinquenta graus. 
14h da tarde
algumas pessoas ficaram de sunga e outras de biquíni
...silêncio.
Mas...
...para tudo.
Algo aconteceu.
O mal estar da civilização tomou conta dos contateros.
A professora olhou pra mim e disse: NÃO. 
O produtor da oficina disse que estava tudo ótimo, mas os vizinhos não iam achar legal.
Espera, parece que a namorada do dono do espaço também estava presente.
putz
Imagina, queremos voltar aqui e fazer outros eventos, outras oficinas, workshop.
E agora?
Não teve jeito: você vai ter que sair ou vestir (a tal) parte de cima.
Me pergunto: o que tá errado? É a roupa, o corpo, a genital ou a combinação de todos esses fatores?
"Tá tudo bem, dentro de casa está tudo bem, não temos problema com a nudez"
Entendi, mas quem está nu e quem não está? Além do mais, não é todo mundo que curte um cárcere privado em dias ensolarados, né.
Um corpo nu, outros com calor.
Um peito "de fora", outros com calor.
Um peito chocando, outros com calor.
UmAs com "parte de cima", outrOs com calor. 
E eu. 
"As pessoas ficam chocadas"
Essa eu entendo, eu mesmo fiquei em choque por meses.
"Você vai ter que colocar a (tal) parte de cima"
Coloquei
"Menos é mais"
Não me senti bem e antes de começar a chorar fui embora.
"Aqui não tem certo, não tem errado"
Ah…ufa
Existem corpos à margem dos nossos linóleos, dançar nossas frases clichês é um desafio urgente.
Não existe corpo errado, existe #transvivo. 

A CORAGEM 
Olha, não é fácil ser expulso, ser removido. Por mais que lá no fundo você já trabalhasse com essa possibilidade. 
Fiquei mais triste ainda quando pensei que a situação era muito maior: não era pessoal, era política.
A verdade é que pessoas trans não são bem vindas em piscinas e praias. Nossos corpos está no entre do apartheid de sungas e biquinis.
O direito a nudez é distribuído pelo próprio patriarcado e o confinamento é o que tem pra hoje…………..ah, c jura  
“Em casa não tem problema” 
Sabe quem diz essa frase? Pessoas próximas em várias situações. 
E será que pode mesmo? Se pode ou não você não sabe, né querida, o que você está falando é que AQUI NÃO PODE, COMIGO PERTO EU NÃO QUERO, EU NÃO SUPORTO O SEU CORPO AQUI, VAI EMBORA E VISTA-SE COMO VC DEVERIA ESTAR VESTID-A. 

O AMOR
Então...
Fui corajoso em tirar a blusa e ir de sunga mas na real me sinto mais corajoso de continuar dançando, voltar pra esse ambiente que me é tão hostil (e importante pra mim) foi muito desafiador.
Propor diálogos.
Ter paciência.
Escutar as limitações alheias, perceber as minhas. 
Me custou mais o depois que a adrenalina do momento.
Foi duro voltar a dançar.
Ia nas aulas e morria de tédio. 
Contato Improvisação não é academia, é diálogo entre os corpos, é cooperação. Aí quando não tem clima fica uó. 
No geral, hoje, não gosto de conhecer as pessoas com quem danço, dançar já é muita coisa. Prefiro danças casuais, faço a linha sexo de aplicativo -sem compromisso, por agora. 
Amo dançar, porque pra mim uma boa dança é estar presente, e isso é tudo, me basta. Além disso, aprendi a dançar comigo.
Danço sozinho, acho ótimo.
Aí nessa descobri o chão, o espaço, meu peso e uma dorzinha na virilha esquerda. Fui me amando, me cuidando e aos poucos me re-socializando.  
Nesse episódio teve raiva,  mas no desenrolar da vida teve amor também. 
A minha dança é pela vida, sou O Ariel Nobre, #transvivo.

Um comentário:

  1. Olá Ariel, vou usar esta parte para o contato. É possível aqui no bloguer colocar um "botão" para seguidores. Faça isso! Muitos (ou muitas) de nós o seguiremos. Eu sempre te leio, cara.

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