domingo, 12 de abril de 2015

Me chamo Ariel


Recentemente mudei de nome. Dizendo assim, em uma única frase com quatro palavras parece um processo simples e rápido. Mas, obviamente, não está sendo. Transformações não tem data de início ou fim. Acontece, eu percebi e tento (me) aceitar da melhor forma possível. É como um chamado de coragem. Um dia depois do outro. 
Fiz um workshop recentemente no Rio de Janeiro. Como quase toda aula, foi ótima. Adoro aula de contato improvisação. Eram duas moças. Chegou o momento da roda de nome, disse Ariel, pela primeira vez. Eu fui a primeira pessoa a dizer o nome. Disse. Respirei e falei. “Me chamo Ariel”. 
Ultimamente estou acolhendo muitos tipos de reação em relação a minha condição TRANS. Não sei vocês, mas o CI me deu um (péssimo- as vezes) hábito de observar o corpo dos outros. Passeio por entre os corpos e sinto uma certa atração pelo meu - sinto repulsão também. Nessa atração tem elementos alegres e tristes. Tem curiosidade, vontade de saber de mim, preocupação comigo, cuidado. Devo dizer que a curiosidade me incomoda profundamente. Não se enganem, sou apenas um corpo com uns panos ao redor.
Estou evitando pronunciamentos e notas oficiais porque como disse anteriormente transformações, como todxs sabem, são processuais. Por mais que mudar o nome seja um marco, essa troca de pele, de roupa e de postura não começou ontem. Esse processo é muito libertador pra mim. A nossa sociedade impõe relações de gênero muito sufocantes e hoje a vida está me dando uma oportunidade de começar de novo, sabendo que outras pessoas como eu existem e resistem. Dançam pela terra, desde que gente é gente. 
 A minha presença denuncia uma série de relações de poder entre os corpos, e o meu convívio social sugere uma reflexão urgente sobre uma série de coisas. Essa paisagem social me permite uma solidão imensa. Por vezes o enfrentamento é inevitável, e como já cansei dessa política me afasto e evito problemas. 
As boas intenções escolhem palavras espalhafatosas e os olhares curiosos me enfurecem. Fico aqui e as pessoas lá. Sigo nesse solo mas estudando como quero estar, com quem posso dançar, conversar, me abrir. 
Em uma outra aula em São Paulo fizemos um rolamento e concluímos o seguinte: numa queda, principalmente, não podemos esquecer de onde viemos. Para seguir em uma determinada direção é melhor que não se esqueça de onde o corpo estava. Isso soa físico, filosófico, óbvio e até espiritual. Contateiras e contateros desse brasel, sabemos que para cair, rolar por aí e não se machucar essa informação ajuda bastante. (Se você, leitora ou leitor, está lendo esse texto e não entendeu essa parte por favor tente rolar no chão com essa informação, ou ainda, comece praticar CI com a gente ;) ). 
As vezes acho que Ariel é uma criança que quer aprender tudo, as vezes acho que é um adulto semi analfabeto e estabanado com as pessoas. É um vetor louco por vida. Quer acontecer e celebrar a vida, amar, e claro dançar…. ah… querides, como serão nossas danças? Sugiro escuta e respeito, e isso é muito. E não se enganem, digo isso pra mim também, principalmente, alias. 
Gosto de pensar que a vida é maravilhosa.  Mistérios acontecem independente da minha existência. As geleiras derretem. A terra gira e o metrô fica lotado nos mesmos horários desde sempre. A gravidade está aí todos os dias. Os corpos se chamam por nomes dado por outros corpos.
A busca pela dignidade dos nossos corpos  é um processo coletivo. 

Aliás, muito prazer, me chamo Ariel, e desejo ser tratado no masculino.